Os consumidores dizem o que pensam, mas fazem o que sentem. Em meu livro As marcas no divã (Ed. Globo), publicado há pouco tempo, eu analiso essa questão sob diversos ângulos. Nada mais longe da realidade do que imaginarmos um consumidor, uma pessoa, movida por dinâmicas conscientes e planejadas matematicamente. Consumidores agem a partir de tramas pouco conscientes para eles mesmos, motivados por desejos muitas vezes nebulosos, movidos por impulsos que não são fruto de planejamentos calculados. E muitas vezes se escondem atrás de álibis e frases politicamente corretas. Ai de nós, profissionais, se cairmos ingenuamente nessas armadilhas!
Os antigos modelos de comportamento de compra, construídos a partir de uma sequência de etapas lógicas (awareness, envolvimento, preferência, compra), não resistem mais às observações triviais que fazemos do mercado. Há dois momentos importantes no pensamento dos últimos 100 anos que derrubam mitos dessa natureza. O primeiro foi o Princípio da Incerteza de Heisenberb (1927), um fruto da mecânica quântica que mostra a existência de imprecisão em um terreno como a física, onde algumas certezas matemáticas tiveram que ser revistas. O outro foi a constatação de que não existe o “homo economicus”, um ser cujo comportamento seria determinado por interesses próprios e capaz de tomar decisões racionalmente.
Daniel Kahneman e Vernon Smith receberam o prêmio Nobel de Economia em 2002 ao contrariar esse mito clássico da economia. Ambos os momentos mostram que áreas insuspeitas como física e economia, onde sempre predominou um conjunto de convicções de precisão, racionalidade e previsibilidade, tiveram que rever parte de suas crenças.
Por essas razões conceituais e outras tantas empíricas, defendo firmemente que devemos abandonar qualquer expectativa de encontrar consumidores como se fossem um exército robotizado de pessoas que se orientam racionalmente. Assim como é uma pueril ilusão acadêmica negar o quanto pesa o puro impulso nas decisões de consumo. Aliás, com muita surpresa continuo lendo na imprensa essa discussão, como se fosse uma suposta descoberta da pólvora.
Contra essa visão asséptica, eu sugiro a seguir alguns indicadores muito concretos do que é exatamente o seu oposto: a certeza de que o consumidor é muito mais complexo e menos previsível do que sonham os defensores da lógica do comportamento de compra.
1. “Como eu pude viver até hoje sem isso?”
Dezenas ou centenas de vezes já ouvimos de consumidores, de diferentes grupos sociais e idades essa mesma pergunta. Quando isso acontece? Quando o processo de compra é anterior a qualquer decisão, consciente ou não, sobre a necessidade do bem adquirido. Nessas circunstâncias aquela frase é repetida ad nauseam. O impulso antecedeu a qualquer planejamento, a qualquer lampejo de racionalidade.
2. “Pegue um Danoninho e depois você come direito”.
Ouvi essa frase da boca da Carla, mãe do Thiago. Aconteceu durante uma longa vivência etnográfica na residência deles. Mais ou menos às cinco da tarde de uma terça-feira, eu conversava com a Carla sobre aspectos gerais de sua história de vida. Ao mesmo tempo, o Thiago, 6 anos, nos rondava dizendo para a mãe que estava com fome. Como a Carla insistia com o garoto que ele deveria esperar pelo jantar para comer direito, mas isso não surtiu efeito, ela cedeu ao impulso apaziguador: “Vai lá na geladeira e pegue um Danoninho, tá?”
Eu conto isso com mais detalhes em meu livro, mas esse resumo é suficiente para o que eu preciso agora. Contra a racionalidade da dieta bem organizada e na hora certa, mães como Carla, cedem à pressão e à chantagem de filhos como o Thiago e fazem o que sua lógica materna não teria planejado. Imaginem quantos milhões de episódios pouco racionais (!) como esse devem ser encenados nos lares todos os dias?
3. “Com vinte centavos a menos no óleo de soja eu levo uma Trakinas”
Esse exemplo vocês podem multiplicar por uma potência de dez porque eu mesmo já presenciei muitos. Basta ligar a “antena” em pontos de venda e fazer um pouco o papel de voyeur social. Em observações diretas de comportamento de compra com o público de classes menos favorecidas, isso vive acontecendo. Os pais olharam para prateleira de óleo de soja e decidiram fazer um downgrade na compra do produto. Escolheram um frasco de óleo 20 centavos mais barato do que o preferido e comentaram entre si: “Agora, podemos comprar uma Trakinas para o filhote”. É uma frase tão pungente quanto irracional: o pacote do biscoito custava aproximadamente R$ 1,40. Ou seja, sete vezes a economia feita no óleo de soja. Diante disso, os defensores do conceito de “homo economicus” certamente entrariam em surto. Esse é mais um caso em que a racionalidade foi completamente substituída por sentimentos de outra natureza, e que operam em outra parte do corpo, mais cardíaca, especificamente, entre o cérebro e o bolso.
4. “Tinha 30 pares de sapato, mas precisava de um marrom-café de salto baixo aberto na frente”
A analista de nossa empresa que conviveu com a Mariana por várias horas ouviu essa pérola. Não houve como entender qual o princípio de racionalidade ou de lógica que pudesse explicar essa decisão de compra. Por uma simples razão: porque não havia substância lógica e conteúdo racional nesse impulso. Mas a resposta se revelou quando a Mariana voltou do seu closet calçando o marrom-café de salto baixo aberto na frente. O enorme sorriso que ela abriu e o “tá vendo como eu precisava mesmo?” foram matadores! Como se os outros 30 pares tivessem deixado de existir.
No limite, nós somos todos traídos pelo desejo. A tentativa de construir uma suposta matemática de nossos impulsos é uma inconsequente e reacionária racionalidade. Talvez seja muito mais difícil para nós todos, profissionais de marketing e comunicação, operar num ambiente assim, mais surpreendente e menos sujeito a regrinhas “aritméticas”. Mas é ele que existe diante de nós, queiramos ou não. Nem física, nem economia, nem tampouco marketing podem impedir que a irracionalidade invada a vida dos consumidores em suas decisões de compra. Diante disso, só nos resta fazer as pazes com essa doce e imprevisível cultura do desejo.
Por Jaime Troiano (Presidente do Grupo Troiano de Branding e autor do livro “As marcas no divã” - www.grupotroiano.com.br)
HSM Online
24/06/2010
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